domingo, 2 de novembro de 2014

O morrer em Conceição dos Ouros - Parte 2

Hoje dia dos Finados, eis que trago a continuação da postagem anterior. Esta feita por mim x)

Os Livros de Registros de Óbitos são ricos em informações para pesquisa, e usarei alguns destes
registros para esta postagem. O primeiro livro a registrar os falecimentos de Conceição dos Ouros data do ano de 1862 e se estende até 1896. Os assentos variam de acordo com a precisão do pároco a anotar, alguns trazem causa da morte, estado civil e idade do falecido, tipo de mortalha ou caixão, presença ou não de sacramentos - além do local onde o corpo foi enterrado.

O primeiro cemitério de Conceição dos Ouros estava localizado (mais ou menos) próximo ao local onde hoje se encontra o mirante, muitos moradores antigos ainda se lembram de como ele era. Não existe um registro preciso que nos mostre ao certo quando ele foi construído, entretanto, documentos do ano de 1889 detalham-o como "de bom tamanho" todo "murado com taipas" que possuía uma "cruz em seu interior, mas faltava uma capela" (informação do livro: Salve Ouros, cidade querida" de Mercedes Carvalho Campos, 2002, p.157).

Ao fundo da fotografia os muros do antigo cemitério.

A mudança do cemitério antigo aconteceu possivelmente devido ao crescimento da cidade - o antigo cemitério estava localizado no caminho da avenida principal, o prefeito João Silvério Rosa solicitou então junto a câmara a mudança do local do cemitério. Em 1953, o bispo Dom Otávio Chagas de Miranda atende a solicitação do prefeito e autoriza que um novo cemitério seja construído, em terreno doado pelo Cel. Domingos Rosa. A mudança de local segundo o bispo também atendia a política de "embelezamento local" promovida pelos poderes públicos ourense. Alguns moradores antigos ainda dizem se lembrar da mudança do cemitério, há pessoas que dizem que viam os ossos dos corpos sendo transportados em caixas pelo coveiro. Gostaríamos de saber mais sobre estas lembranças, se você as tiver compartilhe conosco.

Além da mudança de local do cemitério algumas práticas funerárias também mudaram e outras caíram em desuso, uma delas foi o uso de mortalhas. As mortalhas eram os tecidos que envolviam o corpo dos falecidos. Era muito comum seu uso durante o século XIX, quando os caixões de madeira ainda eram artigos de certa raridade. Havia uma variedade de cores e tipo de tecidos a serem usados com esta função, e a escolha diferente do que possa parecer - não se dava por acaso.

Acreditava-se que as mortalhas de cor branca eram as mais comuns, muitos supõe que isso acontecia devido a facilidade e ao baixo custo deste tipo de tecido. Enquanto, os "óbitos pretos" seriam tecidos utilizados por pessoas mais abastadas da população. Entretanto, não é bem por aí.

Os tecidos brancos (embora possam ser os mais baratos) também possuíam um significado especial, a cor em si era associada ao luto. No caso de o falecido ser um africano, o historiador João José Reis encontrou em suas pesquisas um significado ainda mais complexo para o alto número de mortalhas brancas. Em um estudo realizado nos óbitos de africanos registrados na Bahia, Reis constata que: "A cor branca já era usada, logo não é de se estranhar que ela fosse a preferida entre escravos e forros na Bahia. Mesmo porque a própria cor branca, na cosmogonia Bacongo, representava a morte, assim como os europeus eram tidos por mortos, comedores de negros, ou seja, de vivos."


Para o enterro de recém-nascidos, também pudemos supor que a cor branca desse um status de inocência, de pureza. A mortalidade infantil durante o século XIX era bastante comum, uma das causas mais apontadas nos registros de óbitos infantis ourenses eram as chamadas "bixas".

As mortalhas coloridas também poderiam indicar a devoção a um santo, muitos africanos e crioulos (e até mesmo homens livres) faziam constar em seu testamento a cor e o tipo de tecido que gostariam que fossem utilizados em sua mortalha como forma de homenagem. Segundo João José Reis, para os africanos era comum se preparar para a morte e por isso a escolha da mortalha era frequente.

Nos óbitos de Conceição dos Ouros também pudemos perceber mortalhas "únicas", e que nos levam a crer que foram escolhidas a fim de satisfazer algum tipo de devoção do falecido ou de seus entes que o enterraram. É o caso dos assentos abaixo em que foram utilizados como mortalhas "setim azul", "xita" e "riscado amarelo".

Setim azul.

Xita.

Riscado amarelo.

Finalizo esta postagem trazendo a indicação de dois livros que podem ser interessantíssimos para se conhecer, o primeiro pertencente ao historiador João José Reis tem o título "A morte é uma Festa: Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX" e o segundo também de um historiador Júlio César Medeiros da Silva Pereira "À flor da terra : o cemitério dos pretos novos no Rio de Janeiro". Boa leitura!


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sábado, 1 de novembro de 2014

O morrer e o velar em Conceição dos Ouros - Parte 1

Bom, hoje mais uma vez trago um texto do historiador e pesquisador Eduardo Pereira. O assunto é o velar e sepultar dos mortos, e as práticas culturais que envolviam os ritos fúnebres em Conceição dos Ouros, o relato é baseado segundo o autor em conversas informais com moradores da cidade.
"A memória das pessoas mais velhas é surpreendente. Foram nas conversas de alpendre e janelas em Conceição dos Ouros, ouvindo os mais idosos que conheci muita coisa sobre o passado. As vésperas de finados, compartilho o que os idosos me contaram sobre as praticas relacionadas a preparação para a morte, velórios e sepultamentos em Ouros.
Havia uma vela mortuária que ficava a cabeceira do agonizante. Quando se aproximava a hora da agonia, alguém se encarregava de acender a vela e colocar nas mãos do moribundo, rezando a "Salve Rainha". A presença do padre era obrigatória para ministrar a "extrema unção".
Os mortos eram velados na cama ou nas mesas. Um lençol cobria o corpo,e era vez ou outra levantado a altura do rosto. Os pés eram algumas vezes amarrados para ficarem juntos. As mãos entrecruzadas traziam o terço, cuja cruz era tirada antes do sepultamento. Uma faixa era colocada na cabeça do morto, para manter a boca fechada. As mulheres se encarregavam de fazer a mortalha, e a roupa de luto para os membros da família- quase sempre os ricos usavam o preto e os pobres o roxo, cujo tecido era mais barato. Em um período mais remoto poucos usavam o caixão (que eram feitos pelos homens durante a noite), os mortos eram levados em uma espécie de rede. Durante um certo período houve um caixão comunitário que ficava guardado na Igreja matriz. Colocava-se o defunto no caixão, levava para as exéquias na igreja e posteriormente para o cemitério, onde o defunto era depositado na cova e o caixão levado de volta para a igreja.
As pessoas se reuniam para cantarem as "Incelencias"e outras rezas. De luto, os monótonos cantos se repetiam ( se não me falha a memória em numero de doze). Na hora do "Senhor Amado" as facas e canivetes eram lançados ao chão. Ao sair o caixão, alguém se encarregava de tirar o cisco, varrendo a casa e lançando fora a sujeira.
Se o falecido houvesse esquecido de cumprir uma promessa, voltava para pedir para que um familiar


o fizesse. Havia ainda a recomendação das almas, ato em que as pessoas, principalmente da zona rural, se reuniam e percorriam um determinado numero de casa, munidos de matraca e cruz. O canto inicial dizia:
" Acorda pecador adormecido, veja que o sono é irmão da morte e a cama é sepultura..."
Seguia-se outros cantos pedindo o descanso dos mortos, de acordo com a forma como as pessoas haviam morrido. No fim havia um lanche que variava de acordo com a situação econômica do dono da casa, podendo ser servido até café com farinha."

Para saber mais sobre a Encomendação das Almas clique aqui.

Para conhecer mais sobre as fotografias pós-morten clique aqui.

Boa leitura!
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