Para quem acha que atualmente as eleições são sinônimos de grandes confusões, saibam que as desavenças vem de muito tempo atrás! Neste caso a ser relatado, elas vem do ano de 1880, quando o Brasil ainda era um Império.
Durante o Império brasileiro haviam duas agremiações políticas: o Partido Conservador (1836) que defendia um regime forte, com autoridade concentrada na monarquia e pouca liberdade as províncias e o Partido Liberal (1837) que defendia o fortalecimento do parlamento e maior autonomia das províncias. Havia ainda o Partido Restaurador (1831), que defendia a volta de D. Pedro I. Em Conceição dos Ouros vigorava certa simpatia pelo Partido Liberal, bem como um de seus moradores o Barão de Camanducaia, se destacava como membro representante atuante dos liberais no sul de Minas Gerais. Enquanto isso, no distrito vizinho de Cachoeira de Minas (Freguesia de São João Batista das Cachoeiras) havia maior preferência pelo Partido Conservador.
No Império as eleições eram feitas para eleger deputados e Senadores, bem como membros para os "Conselhos gerais das Províncias". O voto era censitário: poderiam votar homens livres (membros religiosos pertencentes a ordens claustral não poderiam votar), com mais de 25 anos de idade e que tivessem uma renda anual de pelo menos 100 mil réis.
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E a confusão aqui retratada começou em uma véspera de eleição, no dia 30 de junho de 1880...
O documento aqui analisado se trata de um Processo Criminal, arquivado no Fórum Doutor Almeida Simões em Paraisópolis-MG, ao qual tive acesso durante minha pesquisa. Ele vem confirmar a informação divulgada no livro de Mercedes Carvalho Campos, na página 72 em que a memorialista nos conta sobre as brigas e desentendimentos vividos pelas facções opostas e o episódio conhecido (através de relatos orais) como "eleição do cacete".
O Inquérito Policial contou com várias testemunhas ourenses e cachoeirenses, é interessante ressaltar que todos os depoimentos passavam pelo filtro do escrivão, ou seja, era escrito aquilo que ele considerava importante para investigação. O documento começa com uma portaria em que são intimados e acusados os moradores ourense: Faustino José Teixeira, Lucio Pinto de Oliveira, David Lino da Silva e Pedro Antonio Marçal. E também os cachoeirenses: Alferes Antonio Joaquim Barbosa, Claudino Rodrigues da Silva e Francisco Felix de Figueiredo. Estes são vistos como líderes de uma confusão que se iniciara um dia antes da eleição em estrada para Cachoeira de Minas.
Os relatos contam, alguns “por ouvir dizer de muitas pessoas” e outros “por virem acontecer” que no dia 30 de junho, vésperas da eleição, mais ou menos às cinco horas da tarde, um grupo de “mais ou menos cem pessoas” todos armados de “garruchas e facas” montados a cavalo e liderados pelos cidadãos intimados vieram a caminho da Freguesia de São João Baptista das Cachoeiras, e que tomaram “caminho diferente do natural” e que ali chegando “procuraram fazer rodeios, dando volta de mais de légua antes de entrar”. O movimento despertou suspeitas do subdelegado do distrito que mandou a um oficial de justiça e a guardas municipais que entregassem aos presentes uma intimação: eles não entrariam antes de serem revistados. Diante da intimação um dos envolvidos, Jose Viturino da Costa teria tomado o papel e rasgado na frente dos oficiais, enquanto “Faustino Joze Texeira e David Lino da Silva ficaram a tentar resistindo a ordem da autoridade legal, lanssando os animais e as pessoas sobre onde estavam as autoridades sendo algumas derrubadas pelo choque”. Ao grupo de “desordeiros” teria se juntado Claudino Rodrigues da Silva e mais uma “multidão” que saíra de sua casa armados de “cassetes e foisses”.
A confusão armada parece não ter muito sentido, ao serem inqueridos os acusados pela “desordem pública” justificam-se dizendo que quando estavam a caminho “soltaram em hum cavallo foguetes” – o que teria ferido o animal, e as armas parecem se justificar diante disso. Talvez eles quisessem que o juiz pensasse que era apenas uma medida de proteção. Entretanto a acusação se tornou mais séria, os envolvidos foram intimados pela ação criminosa de tentar impedir que se exercesse o “sagrado direito do voto” e de rondar com chumbo “as urnas de eleitores contrários aos seus”.
O Processe Criminal, como muitos outros documentos, termina sem um desfecho para a confusão. Isso acontece porque possivelmente o juiz ao analisar os testemunhos não encontrou provas suficientes para dar continuidade, ou talvez porque o denunciante tenha desistido da ação. Coisas comuns, já que os processos na justiça demandam tempo, dinheiro e nem sempre trazem o resultado esperado – muito em comum com os dias de hoje, não?
Entretanto, este documento se torna valioso ao confirmar fatos que até então só eram conhecidos por depoimentos orais, e que um dia cairiam em esquecimento. A eleição do cacete aconteceu, os grupos rivais se encontraram: armados e provavelmente dispostos a um combate direto, o que poderia já ter acontecido antes da confecção deste documento que aqui trouxe – ou talvez depois, quem sabe? Se alguém tiver mais informações sobre este fato, sinta-se a vontade para compartilhar.
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Até a próxima!
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