Há alguns dias atrás o colega Eduardo compartilhou um recorte do jornal “O Mineiro”, o trecho trazia um anuncio de “Escravo Fugido”. Durante o Império avisos do tipo eram comuns nos mais variados folhetins, basta digitar no google e inúmeros recortes serão encontrados – bem como artigos, dissertações e pesquisas sobre o tema.
O que o anúncio nos diz? Bom, a análise destes podem indicar características físicas do cativo que fugiu, alguns aspectos de sua personalidade e de seus ofícios, e claro: informações sobre a fuga (dia, ano e em alguns casos motivos) e por fim sobre o dono – que geralmente oferecia uma recompensa pela captura e devolução de sua valiosa “mercadoria”.
Com o escravo Adão não foi diferente, conforme o anúncio publicado nos diz ele possuía
características que o tornavam precioso para seu proprietário: “perito em lidar com animaes, bom toucador de lote, domador”. Aqui é preciso fazer um adendo: seu proprietário, o Coronel Lucio da Motta Paes, era fazendeiro do distrito de Conceição dos Ouros e fortemente envolvido com o comércio de tropas, logo Adão nos parece cativo treinado para auxiliar o Coronel em suas atividades.
Mas, voltemos à questão inicial: por onde anda o escravo Adão?
Ao ver o dito anúncio, me lembrei de um processo criminal com o qual havia me deparado durante minhas pesquisas – e bingo, lá estava o nome do escravo Adão novamente! O documento longo repleto de idas e vindas na justiça se tratava de um processo movido pelo Coronel Lucio da Motta Paes contra o preto liberto Antônio Cassange, a quem acusava de calúnia e difamação.
E onde Adão entra nessa história?
Bom, o preto Antonio Cassange residente no bairro Pouso das Antas do distrito de São João Baptista das Cachoeiras, era pai do escravo Adão. Não sabemos [ainda] como Antonio adquiriu sua liberdade e também nos falta informação a respeito da mãe de Adão. Mas, voltemos ao processo: em sua lauda inicial ele apresenta a origem da denúncia:
“Há cerca de dois meses que fugio da Fazenda do Suplicante [Lucio] um seu escravo de nome Adão, filho do mencionado Antonio Cassange; um seu escravo depois que fugio tem estado por diversas veses ocultado em casa de seu Pai, e este com grande malicia tem dito e propalado que o Suplicante assassinou o dito seu escravo e que agora para salvar as aparências finge procura-lo, alegando que este havia fugido.”
Ao resumo do crime, seguem as testemunhas afirmando enfaticamente que: “que ouviram dizer do preto Cassange que Adão havia sido assassinado”. Pelas ‘injúrias’ proferidas pelo preto liberto, o Coronel Lucio estipulava um valor aproximado para uma multa, que visasse sanar os danos e prejuízos sofridos, a “bagatela” de 600 mil réis!
O advogado defensor de Cassange é enfático na defesa, apresentando argumentos como: “o suplicante traz como testemunhas parentes, capangas e capitão do mato” e ainda insinua: “o suplicante sai do papel de autor do crime acusando o réo”. Questões que são veemente combatidas pelo advogado do Coronel Lucio.
Entretanto, entre as últimas laudas do processo uma testemunha parece selar a questão: Francisco Maria. Este, aparentemente morador do bairro Pouzo das Antas do distrito de São João Batista das Cachoeiras (local onde Antonio Cassange também residia) vem em seu depoimento afirmar que soubera por meio de outro ex-escravo, o negro Sebastião (que antes pertencera ao Capitão Francisco da Motta Paes – irmão de Lucio) que Adão se escondia na casa de seu pai Antonio Cassange. Em sua fala Francisco Maria diz que queria avisar o senhor Lucio do escravo Adão, mas que este disse que não voltaria para a fazenda e ainda espantava os que se aproximavam de lá.
O veredicto final é dado a favor do Coronel Lucio da Motta Paes, Antonio Cassange é obrigado a pagar uma multa pelos danos causados por suas injúrias. Impossibilitado de arcar com o alto valor cobrado no prazo estipulado em 8 dias, Lucio volta a justiça e é solicitado que o valor estipulado pela multa seja convertido em tempo na prisão.
O final do processo nos leva a refletir sobre várias questões: haviam sido as testemunhas de Lúcio intimidadas a depor e a afirmar uma mentira? Espalhar um boato sobre a morte de Adão foi uma estratégia de Cassange para despistar os homens do Coronel? O juiz havia tendido a decidir favoravelmente a Lucio pois este possuía poder e influências? Por que Antonio Cassange não aparecera para depor? Não houveram testemunhas que se dispostas a sustentar a versão de Cassange? Ou estas haviam sido inibidas pelo poder de Lúcio e pelo medo de se opor a ele?
E por fim, o processo e o anúncio de jornal não foram capazes de responder nossa principal dúvida: por onde andou o escravo Adão? Teria ele se escondido na casa de seu pai ou fugido para mais longe? Ou numa perspectiva pessimista – teria sido morto? Com certeza a história não é feita de respostas findadas, resta a nós apenas imaginar...
Quer fazer uma correção ou mandar uma história para ser publicada? Mande um email para vivianetpereira@yahoo.com.br Até a próxima!
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